Luís Roxo
Luís Roxo, nasceu em Coimbra, Portugal. Desde muito cedo se revelou ter um talento para a escrita, pintura e música. Considera que a arte é a sua forma de estar e respirar, evocando que todos somos pequenas partículas com alma, que pertence ao corpo do Criador; por isso, busca a trilogia da alma e da criação, através da palavra que nasceu antes do Universo, da paisagem pictórica e do som, notas uma a uma que compõem a sinfonia da vida. Aqui ficam fragmentos por onde Luís Roxo pisa suavemente em silêncio o espaço, o tempo e o interminável infinito do universo e da alma.
Entre exposições de pintura, eventos de poesia e música, na comunicação social tanto escrita como nas rádios, e publicações de seus livros, Luís Rôxo acaba por fundar em 2021 a TVR Cultura com sede no Brasil e Portugal, televisão e rádio que divulga novos artistas independentes do mundo inteiro e promove também espetáculos de letras e artes. Em 2023 cria a revista de literatura Poetura, Poetas e Escritores independentes, referência primeira na história da literatura nos países Lusófonos e também editora. E finalmente, em 2024, cria o Instituto Iluminar instituição dedicada à exploração e integração dos grandes temas que moldam a existência humana: ciência, espiritualidade, filosofia e os mistérios cósmicos.
SOLIDÃO E OUTROS DIAS 2024
Cais de farrapos.
Velho quadro da manhã. Paisagem do adeus que nunca findará. Breve névoa neste cais de farrapos, escondendo a podridão inquieta. Cais de ferrugem e gaivotas soltando guinchos angustiantes.
Recordo-me dos dias tristes, na minha memória rasgada pelo tempo.
Palmo a palmo, o sol rompia as nuvens.
Memórias da vasta manhã lenta. Os deuses ocultos navegavam pela orla do silêncio.
Na espuma da pequena manhã cintilante, na manhã que cresce com o sol, no prolongamento da realidade nua e descalça, uma criança despida andava no passeio de olhos vazios.
As palavras perdem-se no cais de farrapos, como bagos de lágrimas. Mil e um vazios de sonhos, nas gaivotas assustadas.
No mar despido encontrei a doçura de poemas perdidos, sem rota.
Cada vez me convenço mais que a vida não se explica, por mais que ela seja explicada.
Primeira solidão.
Terça, outro dia.
O ano que passou demorou-se num abrir e fechar de mão, fugiu como uma ave de uma mira telescópica atenta. Havia ainda muitos frutos, sonhos no pomar que tinham crescido com o tempo, mas só se podiam colher aqueles que estivessem maduros.
Inverno, Verão, Outono, Primavera e o Sol sempre igual, de asas, de rosto, de mãos, de sorrisos sempre ao cair da mágoa. A manhã despertando palmo a palmo, olhar a olhar, de vez em vez um vento gelado que se metia nos ossos. A ponte, lá em baixo o caminho-de-ferro perdendo-se numa curva no horizonte. Um cão meio preto, rafeiro lusitano, pensei: farejava o destino ao longo da linha lentamente como a manhã, depois a correr assustado até ficar cada vez mais pequeno. Foi então que o perdi no olhar.
Lembro-me desta imagem, não sei se de um filme ou num sonho, em que tudo no fim é um pouco mais tristonho. Não consigo lembrar-me como. Esta amnésia temporária que pousa em mim quando o tempo me torna mais velho. Pouco a pouco estou a reconhecer este pesadelo…
A manhã reveste-se de cores, o sonho parte-se em minúsculos cristais no chão, para o passado os levar. Manhã misteriosa, cheia de névoa. A cidade enormeeeeeeeeee sempre com as mesmas linhas horizontais e verticais. Jogava-se sempre da mesma maneira na vida, porque se tinha a certeza de ganhar.
De pé a manhã, a cidade, o recomeço de uma batalha sem inimigos.
Escapulia-se o último sonho de repente por uma janela entreaberta, poderia ter fechado a janela e nunca mais a abrir, e depois? Pensei…
Um bailado de movimentos de luz, sombras e sons, um bailado mágico onde tudo começa a desabrochar lentamente, comparável a gotas de água caindo de um beiral para o chão, num ritmo ambíguo.
Quinta, outro dia.
Esta chuva que me cega, deixando frio no meu corpo, solidão. Desertas vagas no pensamento de um tempo sem memória. As ruas vazias e melancólicas do teu olhar. Numa esquina desbotada, as mulheres com letra minúscula, esperavam a noite numa eterna esperança. Apenas noite, a lua, as recordações, as bebedeiras, as mãos vazias, um olhar molhado quando olho o céu.
Este tempo sem tempo; tempo de tudo, tempo de nada.
Sexta, outro dia.
…vagueiam neste chão maduro crianças com fome. Quantos milhões de putos não morrem nesta sexta ou noutro dia qualquer. O que há neste chão maduro para oferecer: mendicidade, crime, violência, desespero, fome, prostituição, droga e morte…
Sábado, outro dia.
De manhãzinha cedo assisto à fabricação dos dias angustiantes. Mas hoje chove, continua a chover de raiva e saudade.
Mastigar o silêncio, ouvir os pingos de chuva, os ecos do mar, ser cosmopolita como as gaivotas, sentir a solidão do mês, olhar novamente as palavras repetidas como pingos de chuva.
As cadeiras dos cafés ainda ressonavam, os jornais no chão molhado naquelas tabacarias das esquinas, os semáforos piscando amarelo, amarelo, um avião rasgava violentamente as nuvens, a manhã desbotada corria calmamente as ruas como neblinas pequeninas. Nesta janela que dá para os sonhos breves, recordações de uma caixa de música perdida na infância tocava. A bailarina na ponta dos pés rodopiava, ro do pi ava, ro do pi ava até a corda a ca b ar, a ca b arrrrr…
Desde que o Sol nasceu, estive sempre a olhar o horizonte. Sentado na cama frente á janela, cheirando a manhã…
…continuava cheirando a manhã de perfil através da janela. Olhava Sol que palmo a palmo subia o céu desmaiado. O vazio da paisagem, como um papel de cenário amarelo com cores já gasta pela vida.
Andar por aí, de olhos e de mãos, no palco da vida, recolher gentes e gentes sufocadas por gravatas invisíveis. Em qualquer esquina de uma rua onde a solidão habite, marionetas na espuma dos dias, dos dias que passam e nada de diferente em cada um acontece.
Esta gente adormecida, navegando em qualquer esquina onde a solidão habite. Esta gente que não acha diferença entre dois malmequeres, porque os deuses ocupam as suas mentes, os seus corpos, inventando mil e uma coisas. Passar os dias, os meses, os anos a ler os enormes cartazes publicitários, a comprar objectos inúteis, as conversas sem palavras, a roer as imagens da televisão, a vestirem-se de operários, serem empurrados nos Auto conservas, tropeçar em remoinhos de gentes a sair dos centros comerciais, das tabernas da ginja do esquecimento. Pessoas, pessoas, automóveis, motas, gazes, fabrica, fábricas, ruídos insuportáveis, semáforos, aviões, luzes a piscar – piscar, táxis, relógios, a cidade de sempre, os rostos de sempre tristes. Talvez parar e olhar à volta para o invisível, onde o mundo realmente é verdade e luz.
(pausa)
A cidade era feita de fome e miséria, o que nos consola muitas vezes é o divertimento, já que não se conseguiu acabar com a fome, a miséria e a morte. O divertimento, no entanto, é a maior das nossas misérias. É ele que nos impede principalmente de pensar em nós e nos outros e que insensivelmente faz com que olhemos as coisas indiferentemente. O nada nos levaria a procurar um meio mais sólido do divertimento, do sofrimento sair.
O dedo indicador do ditador, que teve a grande ideia de ignorar a miséria por meio do divertimento.
(pausa)
… O sonho não cansa, porque todos os dias o sonho é diferente, viajar num mar límpido e faz-nos felizes, ao contrário do pesadelo. No sonho beijamos os lábios das nuvens sem qualquer esforço. No entanto, dá-se o salto para o palco verdadeiro e a vida continua sempre igual, com os mesmos traços e linhas. Podemos mudar os traços e linhas noutra direção, mas continuam a ser sempre os mesmos traços e linhas. Quantas vezes não queremos despertar… Talvez por isso, o suicídio e a eutanásia sejam fascinantes! Assim surgiu nesta manhã desmaiada o Sonho do Adeus.
Sonho do Adeus.
Na véspera do adeus, ficou o sonho,
Na mira da paisagem que se perde,
No meio do sonho, que cresce com o Sol,
Vasto pranto de dor concisa, que vincou,
O rasto do momento da vida perpétua,
Do Sol, que levemente no sonho,
Se esvai, como a convidar a noite,
A fazer parte do mesmo sonho,
Que ficou, por fidelidade ao tempo,
No entanto, nada de novo,
É sempre o mesmo Sol e a mesma noite,
Só as cores é que diferem do outro dia,
No fim, o sonho chega ao fim sem,
Que por ser véspera, o sonho não findou.
LIVRO DE: LUÍS ROXO
SOLIDÃO E OUTROS DIAS – Livro físico
Copyright “©” by Luís Roxo
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Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.
Os direitos morais do autor foram assegurados.
Autor: Luís Roxo.
ISBN: 978-65-00-91814-4
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